alma corsária
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Carta ao melhor amigo (para emoldurar feito reza)
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
empate
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
para um homem silencioso
uma pena que você seja sempre tão apressado
mergulha sem molhar o cabelo
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
I know I'm not your lover.
Leonard Cohen
domingo, 31 de outubro de 2010
Quitinete
O despertador não nos perdoa às seis da manhã; eu, por minha vez, seria capaz de destruir esse maldito objeto. Você ri da minha inaptidão, me sufoca nos braços e diz baixinho: bom dia, moça nervosa. Bom dia, todo dia contigo é bom, muito bom, mesmo que ele comece tão cedo, te aparte de mim por doze horas, mesmo que te consuma quase todo, eu me contento com teu cansaço, tua fraqueza, teu metodismo que só pensa no dia seguinte, e se me contento é porque sei que quando anoitecer, abençoado seja o final dos expedientes, ao fim do dia eu estarei sentada em nosso quarto-cama, camisola do dia anterior, te esperando impaciente, os restos de cigarro estarão ali de testemunhas, somente para, nada além, somente para acender o abajur-computador, me despir, te cobrir de mim em nossa cama-casa e dizer em tom de confissão: dorme bem, querido, dorme bem comigo.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
O amor não pode esperar
Estou cansada de te carregar nas costas, nos lábios, pestanas indiferentes a qualquer paisagem, pés que não acham, mãos sempre sós, unhas roídas, todos os homens que sublimei e perdi para sempre. Estou cansada de carregar no coração um amor ausente, vista da janela que não posso tocar, não posso descer as escadas, quebrar vidraças e invadir teu mundo. Não consigo, não me deixas, talvez nem percebas minha presença, mas percebes tanto. Hoje faço trinta e um anos, expulsei todos de casa, minha casa é somente platéia para tua rua. Rasguei todas as cortinas para não perder um momento teu sequer, apesar de saber que todos os teus momentos são teus e o que vejo não é nada do que se passa contigo, na solidão intolerável que ostentas nos olhos (lembro dessas palavras que uma vez ouvi de tua boca).
Nesse momento escrevo de minha varanda, e somente escrevo porque sei que agora estás dormindo, suponho que sonhas comigo, embora não sonhes. Estou tão cansada, compreendes? Esses vidros de nada, esses vidros apenas,vidros de morte. Porque não vivo, não celebrei meus anos (mesmo tendo sido todas as celebrações forjadas, não comemorar me entristece ainda mais) e pus a correr meus amantes, amigos, livros pela metade, o mundo enorme e eu minúscula, cheia de ti, tu que és imenso. Estou muito cansada, compreendes? E não tome como queixa, pois as chaves são minhas, a porta sem uso que está no mesmo lugar, é minha a porta, posso entrar e sair, posso dar festas, fechar as cortinas e ignorar a janela que dá para ti. Está claro que toda a minha miséria é somente minha e não há culpados, há muitas vítimas de mim que enlouqueci de amor. Minha janela em outro tempo me assistiu festejar a vida, assistiu também a solidão permanente em meus olhos – sempre o melhor que pude dar, foi também o que te dei e tu recusaste por estar cheio dela.
Aos trinta e um anos não me queixo nem quero de volta o desespero de cores, cores vivas que junto comigo encardiram e já não têm razão de ser. Não te cobro o amor que te dedico, nem peço que saias de minha janela. Estou de mudança, querido. As janelas continuarão sem panos que as cubram, outras vidas te olharão e somente meus sonhos – sobre eles não tenho autoridade – serão repletos de ti. Quem se retira sou eu, eu e meus dias mudos e minha chama insensata e meu amor suicida. Eu retiro meu amor da janela para que possas respirar, e me retiro de tua vista para o fardo ser doce e a vida possível. Sabes, querido, tenho trinta e um anos e sou completamente só, a vista da janela é o que tive de mais bonito. Mas agora preciso de outras paisagens para não apodrecermos em nós mesmos, compreendes? Também não prometo te guardar até o fim de meus dias, pois o futuro é uma voz independente. Apenas me despeço desse amor como quem, por fim, aceita um membro perdido e vai em busca de muletas.
sexta-feira, 10 de julho de 2009
Heitor
Ele me ensaiou um beijo na boca e diz com um pouco de saliva há de vir inspiração.
Eu penso que sim, penso que se tivesse a saliva dele falaria de pele macia ou de seus dentes agressivos, o cheiro dos seus cabelos mais longos que dos homens comuns haveria de ficar em minha roupa e eu citaria seu hálito de coca cola e nicotina. Penso que sim, diria tudo e mais que tudo.
Na falta de saliva, por falta nossa, penso em seus braços de atleta, esse poeta. Os poemas dele são de vento e estão aí, na folha seca que cai sem razão, nas moças mulatas e loiras que ele olha e imagina-se vinte anos à frente com elas. Seus versos são de nada, a saliva dele ficou na coca zero que vez ou outra me oferece e nos intermináveis cigarros dos quais não tento me livrar. Ele que é operário de si mesmo, defende Caetano como a um irmão e eu fico ali parada, observando a poesia dele em Caetano, seus olhos de menino incompatíveis com os braços de atleta e mais ainda com a boca de ferro, ele fala ferro e sai ternura, sabem?
Canta todas as músicas decoradas, mas nunca as escuta até o fim. Meu rapaz querido canta para todas as moças esguias, leves, sabe do cheiro e da beleza detalhados em cada uma, mas nunca vai até o fim. Elas sempre se vão, vãs como ele, vão com ele. Que ele vai e vai levando dentro de si tanto delas e um pouco de mim, eu que quase-sou. Ele é quase bonito e, portanto o é; artista e quase normal. Ele me abraça como se fôssemos os dois morrer, sabem? Como se fosse o primeiro ou último toque. E é bonito esse rapaz, é linda a sua pressa por amar amar amar e ser amado-ou-não-ser e ser feliz e sofrer sofrer sofrer e sair por aí e amar de novo de novo de novo e sempre e sempre muito como se fosse morrer e morre de amor para ir vivendo. É linda a sua pressa, e triste também, pois penso que seus abraços não me pertencem. Os braços dele nem dele são, ele que é inquilino de si mesmo. Aqueles longos e apertados abraços – sem vestígio de saliva – são sempre de partida. Quando penso que se foi, e ensaia partidas que duram uma infinidade de meses, num dia cinza ele surge e vai prometendo ao vento que me fica.