quarta-feira, 16 de abril de 2008

Venda(val)

Sabe que irei, no entanto me atrai maquinalmente. No entanto tira as vestes, me cobre de laços inofensivos e apertados - convergentes a ela. Usa as cobertas, se esconde, me expõe até que eu implore de desejo. Acovarda-se nos dias de fúria, de despedida, vontade prestes a destruir o que pouco resta. Chora até que eu desista. Ordena que eu saia e no entanto nós górdios colocam-se frente à porta. Ela os coloca. Desloco-me à medida que dorme ou temporariamente ausenta-se. Deixo-lhe e me deixo. Fujo e não aproveito. As moças todas me parecem iguais. Iguais em seu cabelo azul. Iguais nas roupas excessivamente coloridas de uma vida. Todas me parecem idênticas às suas medidas desproporcionais e às unhas nervosamente roídas. Não fosse pelo rosto, não fosse pela falta de rosto. Não vejo olhos cinza, não vejo seu nariz com uma inútil pedrinha brilhante, nem sua boca castigada pelo frio. As outras são pele uniforme. Contornam meus desejos e recusam se mostrar. Volto pela aflição. Nossa poeira, geladeira vazia, móveis que ela trouxe, cama há semanas desforrada. E ela perdida na janela que não dá para paisagem alguma.
Como de costume volto, espero que me retire a venda, desate as mãos e mais uma vez recolha meu coração para si.

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